Resolvi organizar um
pouco as minhas notas sobre um tema do
qual a esfera pública, especialmente em tempos de pós-verdade, parece cada vez mais carente, a saber, a ética
da crença.
Resumo:
Neste artigo, discuto a norma defendida por Clifford de que somente a crença baseada em indícios suficientes é legítima. Articulo os dois principais argumentos apresentados por Clifford em favor dessa norma, um que apela para o valor instrumental da crença baseada em indícios, e um segundo que apela para a credulidade acarretada e a corrupção da capacidade de evitar o erro se negligenciamos a referida norma. Sustento que o primeiro argumento é insuficiente para estabelecer a norma em geral. Crenças que não são meios para ações ficam de fora do escopo do primeiro argumento. O segundo argumento tem um alcance mais abrangente. Contudo, ele pode ser bloqueado se o agente segue uma norma intelectualista que visa insular as crenças injustificadas do restante da sua vida cognitiva e ativa. É uma questão empírica se agentes humanos são capazes de seguir essa norma intelectualista. Defendo uma reformulação da norma de Clifford, incluindo alguns parâmetros que influenciam a suficiência dos indícios. Por fim, fatores morais ou prudencias podem afetar a legitimidade da crença. É legítimo crer sem indícios suficientes apenas em casos especiais, quando o agente insula a crença injustificada, ou quando o bem que advém da crença sobrepuja os malefícios da credulidade.
A normal geral da crença que defendo recebe a seguinte formulação:
A normal geral da crença que defendo recebe a seguinte formulação:
É ilegítimo para o agente S acreditar em p com base em indı́cios insuficientes; os indı́cios reunidos pelo agente S são insuficientes para crer em p em t (i) se S não emprega adequadamente as capacidades, os recursos e os métodos para investigar p que seriam razoáveis que S
tivesse ao seu dispor em t e (ii) se, tendo em t um curso de ação em vista que se apoia em p, os indı́cios não fazem justiça ao que está em jogo.
A justificativa para essa norma encontra-se no referido texto, que está
disponível aqui: https://www.academia.edu/30487948/Notas_sobre_a_%C3%A9tica_da_cren%C3%A7a
[1] Uma crença é gratuita se ela não é baseada em indícios e não contradiz nenhuma outra crença do agente para a qual ele tem indícios favoráveis. Veja o preciso e
instigante texto de Alexandre Machado sobre esse tema. “Toda crença
injustificada é irracional?”. Disponível em:
https://www.academia.edu/29398157/Toda_cren%C3%A7a_injustificada_%C3%A9_irracional
[2] Recomendo fortemente a coletânea organizada pelo Desidério Murcho, A Ética da Crença, Editora Bizâncio, 2010. Além de uma longa e cuidadosa introdução escrita pelo Desidério, o leitor encontra ótimas traduções de seminais artigos de Clifford, James e Plantinga acerca do tema.
Mais sobre o tema em [193], [191] e [189].
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